Com o major José Antônio da Silva Castro reempossado no comando, os Periquitos dirigiram-se ao Forte de São Pedro – onde o batalhão da artilharia também havia se levantado -, comandados por Joaquim José Rodrigues, que havia sido demitido por Gomes Caldeira. A eles se juntou parte dos soldados e oficiais do quarto batalhão, os “Pitangas”, para de lá se prepararem para enfrentar as hostilidades do Primeiro e Segundo batalhões.
Essa divisão entre os batalhões nos permite uma perspectiva do contexto: o cônsul francês na Bahia no período do Levante, Guinebaud[1], dividiu os batalhões da seguinte forma: 1° e 2° batalhão “dos brancos” e 3° e 4° batalhão “de negros e mulatos”. Isso demonstra que o levante não foi apenas um movimento militar, mas que teve um caráter social, de resistência, e que havia, claramente, uma segregação dentro do exército que era baseada na cor do indivíduo.
No dia 26, Salvador amanheceu com a agitação trazida pelas notícias do levante e a morte do Comandante de Armas. No dia 27, o primeiro e segundo batalhão saíram da cidade e dirigiram-se a Itapuã – o objetivo era chegar até à Casa da Torre, moradia da poderosa família D’Ávila, onde receberiam reforço às suas tropas. Com o prenúncio de uma guerra civil, parte da população soteropolitana fugiu para as embarcações do porto ou se dirigiu às áreas fora da cidade.
O medo da população em situações como esta não era injustificado: com os soldados aquartelados, a cidade ficava vulnerável a um ataque pelos canhões de suas próprias fortalezas, uma vez que os fortes mais centrais da cidade como São Pedro, São Marcelo e Barbalho tinham alcance para bombardear tanto uns aos outros, quanto à cidade, que seria pega no fogo cruzado. Esse medo se concretizou no bombardeio da cidade promovido em janeiro de 1911.
Esse não foi o caso durante o Levante dos Periquitos. Após varias manobras do primeiro e segundo batalhões, os Periquitos, sem projetos ou uma unidade completa, se entregaram a 1° de dezembro de 1824, quando as tropas repressoras ocuparam a cidade. No dia 6, foram embarcados definitivamente para Pernambuco.
O Imperador e o Governo da Província da Bahia utilizaram a justificativa do levante para promover uma repressão dura e rápida contra qualquer grupo que esboçou alguma reação contra a nova ordem – era a justificativa perfeita para desmontar ou deportar os batalhões de negros e mulatos e silenciar os ideais Liberais e Republicanos tanto de militares como de civis. O Terceiro Batalhão de Caçadores, no qual lutou Maria Quitéria, foi dissolvido por decreto do Imperador. O Major Joaquim Sátiro da Cunha e o Tenente Gaspar Lopes Villas Boas, foram condenados através de processo verbal, sem direito a julgamento, à forca. Ambos eram considerados Heróis da Guerra de Independência do Brasil na Bahia.
Porém o caráter marcante deste episódio da nossa história foi o repúdio flagrante à participação de negros e mulatos no exército de linha, como ilustra bem Guinebaud: “é de supor que o Imperador abrirá enfim os olhos para o extremo perigo de admitir negros entre suas tropas”[2].
Bibliografia
KRAAY, Hendrik. “Em outra coisa não falavam os pardos, cabras, e crioulos”: o “recrutamento” de escravos na guerra da Independência na Bahia. Revista Brasileira de História [online], vol.22, n.43, São Paulo, 2002, 106-126. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882002000100007>. Acesso em: 30 jan. 2013.
MATTOSO, Katia M. de Queirós. Bahia Século XIX: uma Província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
TAVARES, Luis Henrique Dias. Da sedição de 1798 à revolta de 1824 na Bahia: estudos sobre a Sedição de 12 de agosto de 1798, o soldado Luís Gonzaga das Virgens, os escravos no 1798, Francisco Agostinho Gomes, Cipriano Barata e Levante dos Periquitos. São Paulo: UNESP. 2003, 252p.
TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia. 10. ed. Salvador; São Paulo: UNESP; Edufba, 2001.
TAVARES, Luis Henrique Dias. Independência do Brasil na Bahia. Salvador: EDUFBA, 2005.
[1] TAVARES, Luis Henrique Dias. Da sedição de 1798 à revolta de 1824 na Bahia. 2003, p. 224.
[2] TAVARES, Luis Henrique Dias. Da sedição de 1798 à revolta de 1824 na Bahia. 2003, p. 237.